Cordéis de ônibus nº 1

Começo o dia ao meio dia, quando saio de Sabará rumo ao trabalho. Ao pegar o segundo ônibus na tupinambás, acocheguei-me como de costume em um assento quase no final do 2101. Quase ninguém me vê, fico ali, invisível para os passageiros e os de passagem nas ruas. Retirei uma revista Bravo!, edição de novembro e comecei a me inteirar mais sobre a vida do Woody Allen.

O ônibus estava vazio, logo, penso que as pessoas prefeririam se isolar nas janelas, sem ninguém de pernas abertas invadindo o limite dos bancos. Sempre foi assim. Neste dia foi diferente. Aquele senhora de roxo, rechonchuda, de pernas de fora, ficou tão em dúvida de qual lado sentar, que conseguiu achar meu banco secreto. Encostou bem as pernas em mim, começou a olhar para janela sem piscar e a fungar o nariz sem parar.
Normalmente acho que o pior nariz do mundo é o meu. Tantas alergias e as mudanças de tempo. Me convenci do contrário. Aquel fungueira era disparada a campeã universal. Minha leitura, tão suave, começou a ficar lenta. Ela era loira, aparentava ter uns 58 anos mas pensava se passar com 32.
Saculejo do busão, fungueiras. Mas me mantive fiel. Continuei concentrado em minha leitura. Mas parecia que ela precivava ignorar minha opção silenciosa e começou a resmungar sobre o trânsito lento (será que ela nunca pegou ônibus no centro?). Não bastasse a falácia em auto tom (já desistira de ler) a pessoa, em total desafeto e desistímulo à um jovem calado, olhou bem nos meus cabisbaixos olhos e disse: "Olha para você ver, preciso estar lá as 13:30... Olha isso... Eu mereço." Não eu mereço, porque eu tenho que olhar? Para onde ela quer que olho? Porque ela precisa colocar kilos de maquiagem bem de baixo do meu queixo? Será que faz coleção de cores dos olhos? Porque eu não posso aproveitar a única vantagem de se passar 4h por dia dentro dos ônibus?
Sempre sou cordial, mas com tanta inconveniência, quando aquele roxão ofuscante, de loiros grisalhos cabelos levantou, comecei a achar graça. Pensei que poderia ser umas das personagens desastradas, engraçadas, melancólicas e irreverentes do Woody se interagindo ao ar livre, em pleno cenário mais comum de Belo Horizonte.
fotografia retirada do site http://www.osvigaristas.com.br/

2 comentários:

Fernanda Fernandes Fontes disse...

Hahahaha..adorei!
Segredo: uso meu mp4 para me afastar destes papos ruins dentro do ônibus e seguir com minha leitura...mesmo que não esteja tocando nada...hahahahah.

Bjs!

Unknown disse...

Gostei disso!
Ônibus dão um livro, com certeza.
Beijo!

Carol (ou Joana)